Todas [as horas] ferem; a última mata.
— Inscrição em mostradores de antigos relógios.
O prezado leitor Stênio da Silva que acompanha estas mal traçadas deu uma ótima sugestão e me pediu que comentasse/indicasse o filme As Horas (EUA/Inglaterra, 2002).
A história que foi às telas é baseada no livro homônimo de Michael Cunningan. No enredo, três mulheres – Virginia, Laura e Clarissa – vivem, em épocas diferentes, dramas existenciais interligados por um fio condutor: o livro Mrs. Dalloway. O romance, considerado um dos marcos da literatura inglesa contemporânea, foi escrito por Virginia Woolf – ela mesma personagem de uma das histórias do longa-metragem – em 1925.
(Aqui cabe apontar que Virginia Woolf sofria com graves episódios depressivos e recorrentes colapsos nervosos. A autora acabou tirando a própria vida em 1941, aos 59 anos)
O filme é bem feito e rende ótimas discussões tanto pelos aspectos estéticos quando psicológicos. Além da questão da relação entre criatividade e melancolia, deve interessar a quem gosta de psicopatologia fenomenológica o importante papel que o elemento tempo representa na trama.
Desde Robert Burton no século XVII, em sua Anatomia da Melancolia, a Eugène Minkowski (passando, naturalmente por Karl Jaspers) a questão da relação entre a vivência do tempo e as doenças mentais recebeu particular atenção. O tempo psíquico é experimentado pelo melancólico, por exemplo, como dilatado ou imóvel ou, como dizemos comumente, “arrastado”. Para Minkowski, na fundamental obra sobre o assunto Le Temps vecu (“O tempo vivido“), as experiências anormais da passagem do tempo são a causa mesma dos principais padecimentos da alma, da esquizofrenia à depressão.
Se não viu As Horas ainda, procure por aí. Depois de assistir, tente retraçar o caminho que o autor fez e aproveite para ler Mrs. Dalloway.
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